sexta-feira, 23 de julho de 2010

 Hoje, agora. Quando saia do restaurante, fim de almoço, deparei com um cartaz do sesc que anunciava algumas conversas com escritores em algumas de suas unidades em cidades escolhidas. Uma destas cidades seria Londrina. Reconheci meio imprecisa aquelas duas palavras... Fabrício Carpinejar. Lembrei me então de outras duas André Xavier! Justamente quem me apresentara de relance Carpinejar. E agora, frente ao computador, buscando o blog de Carpinejar que tão saboroso se apresenta, deparei com esta crônica delicadamente precisa que posto abaixo, com licença, peço ao autor! Ao fim do texto segue a fonte para quem quiser degustar o blog de Carpinejar, frequentá-lo deliciosamente!


Arte de Paul Klee


Minha preocupação é primeiro fazer Vicente comer, já que é o menor. Depois é que posso saborear a comida. Tenho que cumprir a paternidade para me atender. Sempre chego atrasado aos talheres, a sorte é quando a comida não esfria.


Nunca reparei direito em mim - ninguém procura o espelho em movimento. Cínthya é que me alertou que em todo momento descrevo a mastigação do filho. Descrevo não, narro, sou um comentarista esportivo de sua refeição. A cada cinco minutos, espio seu prato e teço um julgamento de seu desempenho.


- Olha o ovo.
- Não esquece a carne.
- Mais um pouco de purê.
- Come mais!


A namorada pretendia dizer que eu era chato, encontrou uma maneira para que suportasse a crítica. Ela é meu espelho em movimento. Falou de lado, contida, como se limpasse o canto dos lábios com o guardanapo:


- Deixe que as coisas sejam naturais.


Eu vi que ela acertou, eu incomodava, repreendia, comentava, educava sem parar. Quase doentio. Serei franco: absolutamente doentio!


Ao experimentar um momento alegre, estou confessando que é alegre na largada. Defino antes de concluir. Se o filho é gentil, escrevo carta de recomendação. Se surge nervoso, atravesso a madrugada criando teses. Não há descanso. O certo e o errado estão no sangue.


Sou um pai insistente e cansativo. Necessário, porém desagradável. Acho que nunca mais serei espontâneo.


Descobri junto dessa observação que o amor dos pais não é mesmo natural. É teatral. Histriônico. Parece falso quando autêntico. Por isso, irrita na infância, enjoa na adolescência, ocupa metade das análises nos consultórios durante a fase adulta.


Pai não tem rosto, mãe não tem rosto, são caricaturas. Traços rápidos para apressar a identificação.


Não conseguimos nos controlar. É reiterar um cuidado até ultrapassar a redundância, é não abolir nenhuma prevenção. Nasce o filho e mergulhamos num estado de pânico completo, numa carência interminável, numa provação incurável. Viramos bulas, cartilhas, manuais, guias, catálogos, explicando de novo o que foi entendido.


Só é natural quem não ama. Somos despojados quando não temos interesse. Atuamos por comandos: sim, não, e deu. Nenhum desespero, nenhuma miséria no abraço, nenhuma insistência.


O que me põe a afirmar que um casal enamorado é formado de péssimos atores. Vai trocar juras ridículas, alternar diminutivos e apelidos, escandalizar restaurantes com exclamações e adjetivos.


Quando a gente se emociona é artificial, uma afronta ao bom gosto.


Enxergar uma família feliz consiste num espetáculo bisonho. Os pais apertam, beijam, afofam, cutucam, gargalham, reclamam e soluçam mais alto do que é aconselhável.


A passionalidade é uma imitação. O afeto é uma dublagem. Queremos tanto provar o que sentimos que passamos da conta.


http://carpinejar.blogspot.com/

1 comentários:

Ana SSK disse...

O Carpinejar é genial.
Eu tinha acabado de ler esse texto no blog dele.
ótimo, como todos...!

 

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