domingo, 17 de novembro de 2013

Certo dia percebo que minha vida é uma reedição. O percurso que nos últimos anos estive traçando havia sido eleito e percorrido, à décadas, por aquele homem que tem sua barba grisalha, seu olhar ora altivo ora acolhedor, mas nunca distante, e seu corpo sempre disposto ao trabalho, sem preguiça, diferentemente de mim. Percebi hoje, a poucas horas, que foi preciso que eu voltasse as minhas origens para conseguir chegar ao ponto de partida no qual vivi, transformando minha história num enredo possível de ser lido apenas na diacronia dos fatos, dos rastros. A saída é o entremeio narrativo, o ponto de passagem fez-se início e, finalmente, chegando ao entremeio prematuro, um novo começo aponta o (re)significado eminente. 
Todas as raízes são faltas e são inverdades. Ao modo de Manoel de Barros, são invenções sinceras que me desenham aos rabiscos, aos recortes recolhidos de memórias alheias, enfeitadas. As peças de casa são todas transitáveis, assim como o são meu próprio coração; assim como o são minha angústia própria de saber de onde parti, de onde é parto, nascimento e vísceras. O povo que me ascende é à seu modo incorrigível, lendário e perseguido. A realidade que requeiro minha é também marginal, legítima. A ética de que me faço herdeira é amoral, é dialética e caminha em direção a Christiania, quem dera um dia chegue.
Sérgio Sampaio: Lugar de poesia é na calçada – eu faço coro! Sentindo-se sem raízes, fui pintada com beleza nesta vida, pelos passos, poucos palcos, mas muita poesia. Certo dia um amigo, lindo poética, numa conversa fiada ao telefone me pergunta onde vou e respondo-lhe que ainda não sei, mas que não importa, vou para qualquer lugar, algum lugar, vou dançar; ao que me responde liricamente: continua tudo igual e você tão livre. Deste dia em diante, neste instante, entendi que a minha falta de solidez com espaços e raízes tem beleza. Posso ouvir a voz do André me dizendo aquelas palavras ainda agora.
Então não me parece procedente permanecer questionando este 'ficar à rua'. Opor-se, bater de frente... e a cada oposição cotidiana ver surgir nova investida, se erguendo uma nova oposição incansavelmente... mas exaustiva. É Roosevelt cheia em meio a febre de Satyrianas, é noite clara e duas curvas depois a frente lateral esquerda do carro quase perde a tinta, ofendida pela intuição não pronunciada. Estes não ditos tão citados nos últimos dias, o que querem nos dizer? Na rua e nos entendimentos cotidianos das coisas ditas, mais do que a semântica, talvez valha a intenção. E as escolhas. Pontes ao invés de muros.

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