Chega um dia, num dado momento, que se para de arrumar a
casa. Para de cuidar do espaço, deixa de varrer os cantos, se esquece de olhar
pra baixo, pros lados, pros altos, só esquece. Ou olha e não vê. Então, quando
se dá conta, neste dia você começa a se perguntar o que aconteceu que tudo
ficou tão desorganizado e malfeito. Todas as horas continuam preenchidas e tudo
está tão acelerado como era. Mas tinha um tempo em que você instante, e punha
as coisas todas no lugar. Mesmo que elas voltassem a se desorganizar, você
repetia, insistente o mesmo cuidado, a reordenação dos astros ou sabe lá que
mística ou outra bobagem tão boba. Como de sobressalto, descuido, se dá conta
que faltam os olhos. Mas não faltam apenas os olhos, senão os braços, abraços e
a outra pessoa inteira que foi se perder por aí, infinda. O desorganizar destes
dias sem dança não tem qualquer discrição, aparece na pilha de roupas pela
sala, no pó que fará anos em breve, na estante no canto e nos restos e
respingos sobre o fogão. Aquela noite tediosa de tevê e diligências sobre o
último suspiro antes da perda de paciência e o grito derradeiro. Tudo tem de ir
para algum lugar, as coisas tem de ir para algum lugar... pensa. Só não acha o
bolso certo onde meter a mão e resgatá-las quando a raiva é engolida e o grito
ecoa culpado, torturante, sobre os pensamentos caídos aos cantos, junto ao pó
não varrido. Fica assim, até uma nova insistência, nova alegria, nova
diligência... nova repetição desacusada das mesmas ilusões, tão desavisadas, que
se partirão em cacos miúdos, perfuros nos dedos teus.
Maria de Jesus
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Maria de Jesus é uma artista contemporânea autodidata que vive na cidade
de Tanhaçu. Seu trabalho atual consiste na criação de desobjetos, desenhos
e pi...
Há 3 semanas