sábado, 14 de janeiro de 2012

Acreditar na igualdade é desacreditar na democracia. À primeira vista esta afirmação pode parecer totalmente contraditória, mas penso que é totalmente coerente e é exatamente assim que muitas vezes procedemos – tomando um enunciado por certo e não subtraindo a lógica interna. A democracia prevê que todos temos direitos, inalienáveis, previstos pela Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948); a Constituição Brasileira, (REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988) por sua vez, condiz com os mesmos princípios. Mas termos direito não parece garantir o acesso aos mesmos, a formalização não basta para que estes sejam respeitados. O acesso aos direitos sofre variações que dependem da classe social, da influência pessoal, que por sua vez depende da primeira. Um estudante de escola pública, das classes baixas, tem o mesmo direito de acesso ao ensino superior público e de qualidade? Ele tem sim o direito de concorrer ‘igualmente’, e é aqui que dizer que ‘somos iguais’ sofre nuances sutis e decisivas. Se não provemos dos mesmos espaços, das mesmas necessidades, das mesmas condições, como podemos gritar pela igualdade? A igualdade precisa ser discutida e questionada.
Basta olharmos o que vem ocorrendo desde o dia 3 de janeiro na região da Luz, estigmatizada pelo apelido de ‘Cracolândia’, o tratamento dispensado àqueles que estão em situação de rua e abrigam-se na região, formando conglomerados humanos, e nos perguntarmos – e Direitos Humanos? Direitos, parecem não existir neste momento. Humanos, parecem não terem sido convidados. Parece que ninguém avisou aos governantes que existem leis, políticas e estudos, sugerindo melhores formas de abordagem e procedimento. A política higienista que o governo de São Paulo vem operando na região da Luz nos deixa muito claro onde os Direitos Humanos estão – no papel.
Sobre sermos todos iguais, não o somos. A democracia está nisto, em respeitar as diferenças das minorias. Se fossemos todos iguais seria muito fácil. Há alguns dias vi uma charge (não me recordo a fonte, desculpem-me) onde um ‘cidadão de bem’ criticava a um outro que era racista e dizia que este deveria morrer, ser exterminado; o segundo quadro mostrava um cachorro pensando: mais um cidadão de bem que pensa como bandido. Achei genial! O nazismo não seria um problema caso não existissem os judeus, isto é, se não existisse o diferente. Mas nesta lógica de intolerância, se não houvessem judeus, haveria qualquer outro traço servindo de bode expiatório. Acredito realmente que considerar as diferenças não é empobrecer nem desmobilizar, ao contrário, é tomar conhecimento de outros corpos e sentidos. Não somos iguais e não necessitamos de tudo exatamente igual. Tomando a questão das cotas ainda, tenho sempre um ouvido levantado quando se trata de dizer que somos iguais, pois é este o discurso que assumem os que não querem ceder de seus privilégios, é este mesmo o discurso dos que são contra as cotas, pois se somos todos iguais, devemos concorrer o vestibular em pé de igualdade - e sabemos que isto é uma grande falta de desejo de que as classes baixas ingressem nas universidades públicas. Ouço muito esta fala de que somos iguais, mas fico atenta, pois dependendo de onde ela vem, significa uma ou outra coisa - o que é bom. Mas há uma versão desta que é a disseminadas pelas grandes mídias desinteressadas em ceder de seus lugares privilegiados, que tem os direitos garantidos até demais; então este discurso nestes espaços assume o valor de negar a existência da diversidade e isto vale para qualquer política hipócrita que venha a ser imposta, seja quanto às cotas, quanto a Cracolândia ou outros assuntos de interesse público. O movimento LGBT é um grande exemplo, está sempre lutando a favor das diferenças, e incluo a heterossexualidade também, pois creio que eles não deixam de prestar um favor a todas as pessoas ao promover a discussão acerca da sexualidade e os parâmetros sociais, independentemente do prefixo a que se queira vincular a discussão. Se não falamos do mesmo lugar já no discurso, porque devemos crer que necessitamos de uma política homogênea? Preocupou-me profundamente quando ouvi um líder religioso defendendo que o ‘mal-do-século’, à dispensa da depressão que leva o título, é a tolerância. Diante disto, me deu um certo desespero, imaginei como será os próximos anos se este pensamento for ideologicamente assimilado por uma grande parcela da população, teremos um crescimento nos crimes de ódio?!
O direito de acesso é um exemplo elucidativo, creio eu, quando discutimos direitos, separando-o por objetivo e analisando suas condições de garantia. Todos temos o direito de acesso aos lugares públicos, especialmente, mas cadeirantes necessitam de um algo a mais, não partilham da mesma facilidade de um não-cadeirante de adentrar um recinto que à sua porta antecede uma escadaria. Há a necessidade de medidas específicas para que o direito de acesso daqueles seja garantido, como a instalação de rampa ou elevador. Desta forma, é claro, todos temos o direito de ir e vir, mas precisamos de situações e contextos diferentes para que este mesmo direito seja garantido igualmente a todos. Então volto a insistir: Não Somos Iguais. As políticas públicas devem levar em consideração esta lógica inscrita no direito de acesso aos cadeirantes, creio que teríamos melhores investidas sociais do que o que se vê na região da Luz atualmente e em tantas outras situações semelhantes. Enquanto não aprendermos a olhar o diferente e respeitá-lo mesmo sem entendê-lo, aprendermos a dialogar apesar e por conta disto, então prorrogaremos estes raciocínios estreitos que aplicam ao outro uma medida ressentida tão fortemente arraigada no próprio indivíduo, que não abre possibilidade para negociação – tal como é a em ação na Cracolândia, que incute ao indivíduo a culpa pelo seu sofrimento e nega-lhe assistência. A decorrência lógica deste raciocínio é o que se vê: a punição ao sujeito pela sua condição de desassistido social. À favor de uma política pelo diverso, não pela massificação!

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