Esta metáfora buarquiana da vida, no descompasso dos amores partidos, das promessas invividas. Tanto tédio dissipado num cenário em construção. Quanta ousadia. O verde ali era cinza, por conta do cimento que ia percorrendo cada canto milimétrico daquele espaço e apagando com furor as cores já tão precárias.
Dona Antônia, todo fim de manhã, todo fim de tarde, trazia nas mãos cansadas um jarro cristalino de água. A cor sem cor tão brilhante reluzia nos olhos, devolvia a vida. Devolvia a arte. Os corpos dos pedreiros pareciam retornar a si. Se haviam tido cansaço, se haviam partido para algum espaço, retornavam. Dona Antônia não era samaritana, nem tinha escolhido uma religião além do batismo de criança que não lhe perguntaram o gosto que fazia. É que acreditava que existem coisas que não se questionam no universo, coisas imutáveis, como a sede.
Retornava a sua casa ao fim do jarro e uns dois dedos de prosa. O trabalho recomeçava, a construção precisava vingar. O jarro cristalino ia para poder voltar. Quando retornava ao fim da tarde, os pedreiros quase batendo o ponto, o jarro novamente invadia aquele espaço tão cinza. E Dona Antônia, ritualísticamente, ao fim de cada dia dizia aos seus meninos empoeirados de cimento, tão invisíveis de sem-cor, que bebessem água antes de se deitar, pois com sede, a alma pode se levantar durante o sono e não mais voltar.
De boa índole que eram, todos, sem exceção, à semelhança de um menino respondendo aos cuidados da mãe, realizavam o carinho da velha. E tinham o sono que tinham, que não era suficiente. Algo assim, fatalmente cotidiano nestas terras de Brasil.
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