Há uma linha tênue sobre o limite. Há um acordo não dito, subentendido, sobre esta linha que desenha até onde ir. Entre amigos, às vezes esbarramos nesta linha com certa improvisação. E fica impreciso e suspenso por certo tempo este não-dito acordado, selado pelas partes sem o uso das palavras propriamente. São obscuras as clausúlas do contrato, mas ambas as partes assinam o acordo sem muito pestanejar. Não há muitas delongas sobre o que pode ou não ser feito. Cada um vai percebendo, à seu ritmo e maneira, os contornos da amizade que se figura. Com alguns significados próprios atribuídos, não há fuga deste vacilo, mas a estrutura permanece de pé, íntegra, mesmo diante de alguns rumores e rachaduras. De modo costumeiro, todos coincidem em esforços para que se mantenha a vitalidade, a energia do monumento.
Um certo momento, um instante de deslize, e abre-se uma fenda. Algum limite obscuro e ao mesmo tempo tão reluzente e claro, foi transposto. Transbordamento. É de alguma covardia atravessar certas trilhas de que não se tem direito, assim, num susto. Guardar a idéia na cabeça e soltá-la de uma vez sem precedente. Provoca no outro estranhamento. Fico perguntando de onde surgiu aquilo, por que nunca visei? O estranhamento ainda traz um plano pântanoso, não se pode firmar os passos no chão. E o pensamento quer rever cada conversa, cada olhar, cada troca de palavras, e descobrir o que mais era ilusório, ou não era parecido com o que parecia...
Vou fazendo uma versão antiga pra contrastar com a atual. Tentando num exercício de previsão, e de retrocesso, ressignificar o passado e subtrair das lembranças o que sei somente agora. Por chamar de covardia, aí coloco a dose de ressentimento que acho mínima - pois tento controlar essa dosagem fatídica, um pouco comedida. É um pouquinho triste, um pouquinho chato e um pouquinho dói [no orgulho principalmente]. Faz escuro mas eu canto... Amanhã já vai passar.